ARNALDO “CARROCEIRO”
E O “BUFO DE CAPETA”

O caboclo, dentro de sua vida rudimentar, à míngua de tudo,
em primeiro lugar, de assistência médica, tem no entanto, um índice de
longevidade, igual ao de todos nós, os coitadinhos. Fazem pouco de higiene, mas
talvez premidos pelo clima de fogo do sertão, não se esquecendo banhos diários
nos poços fundos dos rios ou no xuá-xuá das cachoeiras. Conhece pouco o médico.
Nas simpatias, folhas, cascas e raízes de plantas silvestres, encontra o
remédio certo para as mazelas do seu corpo. Se tem dúvida quanto a variedade de
uma planta, é só esfregar uma folha, chegar ao nariz, e a identificação é
feita.
– “Esta aqui é erva das sete-chagas. Vou arrancá ela
pra muié véia qui indesde onte tá arrotando ruim e tudo que come provoca”.
Certa vez, em uma busca pelas grutas na região,
acompanhava-me um velho amigo e companheiro de andanças, ARNALDO. Ao contarmos
um marrote, ele suspirou de súbito a marcha, e ficou muito tempo parado,
olhando...
– O que aconteceu, ARNALDO, é cobra? – perguntei.
– Não sinhô. É “Bufo de Capeta” – respondeu.
E curvou-se sobre um tronco apodrecido, tombado à beira do
caminho, e dela desgarrou uma espécie de bisnaga, coberta por uma película,
cuja transparência deixava ver o conteúdo de uns cinqüenta gramas de um pó
finíssimo, tão fino que parecia fumaça.
– ”Bufo de Capeta”, um remeidão, cum o nome do “sujo”
reafirmou o ARNALDO.
Pude ver que se tratava de um interessante aglomerado de
fungos, protegido por tênue membrana, talvez o “penicillium notatus” dos
cientistas, aquilo que o ARNALDO acabava de colher, com tanto carinho.
– Para que quer você isto, ARNALDO? Perguntei.
– Um santo remédio! Um táio na perna pode se afunda inté nos
ossos. É só a gente aperta esta borsinha inrriba inté ela bufa o pó pra dentro,
qui garra na carne verméia todinha. Uma semana dispois é só rança o cascão qui
pro baixo tudo tá sarado, sem catinga nenhuma.
Não havia dúvida, não era a penicilina laboratorial, mas a
legítima de braga, a do caboclo, que a natureza naquela embalagem, original,
grudava na árvore tombada, e que a experiência matuta ironizou com o epíteto de
“bufo de capeta” o nome do “sujo”, em razão do som produzido pela bolsinha ao
ser comprimida.
Falei então ao ARNALDO, muita coisa sobre a penicilina,
desde a notável descoberta de Flaming ao uso imoderado da droga milagrosa.
Ele me ouvia numa atitude duvidosa, para depois falar:
– Eu inté conheço essa pinicilina qui o sinhô tá
falano. Todas as vezes qui vou na cidade, tomo dela.
– Deus qui guarde eu e a minha muié véia. Inté hoje nós
nunca sofreu dessas porcarias, não sinhô, pode sê qui ainda nós vem a sofrê. Eu
tomo dela é porque adiscobrir qui é um remeidão pra essas dore qui a gente tem
in roda do imbigo.

O caboclo, dentro de sua vida rudimentar, à míngua de tudo,
em primeiro lugar, de assistência médica, tem no entanto, um índice de
longevidade, igual ao de todos nós, os coitadinhos. Fazem pouco de higiene, mas
talvez premidos pelo clima de fogo do sertão, não se esquecendo banhos diários
nos poços fundos dos rios ou no xuá-xuá das cachoeiras. Conhece pouco o médico.
Nas simpatias, folhas, cascas e raízes de plantas silvestres, encontra o
remédio certo para as mazelas do seu corpo. Se tem dúvida quanto a variedade de
uma planta, é só esfregar uma folha, chegar ao nariz, e a identificação é
feita.
– “Esta aqui é erva das sete-chagas. Vou arrancá ela
pra muié véia qui indesde onte tá arrotando ruim e tudo que come provoca”.
Certa vez, em uma busca pelas grutas na região,
acompanhava-me um velho amigo e companheiro de andanças, ARNALDO. Ao contarmos
um marrote, ele suspirou de súbito a marcha, e ficou muito tempo parado,
olhando...
– O que aconteceu, ARNALDO, é cobra? – perguntei.
– Não sinhô. É “Bufo de Capeta” – respondeu.
E curvou-se sobre um tronco apodrecido, tombado à beira do
caminho, e dela desgarrou uma espécie de bisnaga, coberta por uma película,
cuja transparência deixava ver o conteúdo de uns cinqüenta gramas de um pó
finíssimo, tão fino que parecia fumaça.
– ”Bufo de Capeta”, um remeidão, cum o nome do “sujo”
reafirmou o ARNALDO.
Pude ver que se tratava de um interessante aglomerado de
fungos, protegido por tênue membrana, talvez o “penicillium notatus” dos
cientistas, aquilo que o ARNALDO acabava de colher, com tanto carinho.
– Para que quer você isto, ARNALDO? Perguntei.
– Um santo remédio! Um táio na perna pode se afunda inté nos
ossos. É só a gente aperta esta borsinha inrriba inté ela bufa o pó pra dentro,
qui garra na carne verméia todinha. Uma semana dispois é só rança o cascão qui
pro baixo tudo tá sarado, sem catinga nenhuma.
Não havia dúvida, não era a penicilina laboratorial, mas a
legítima de braga, a do caboclo, que a natureza naquela embalagem, original,
grudava na árvore tombada, e que a experiência matuta ironizou com o epíteto de
“bufo de capeta” o nome do “sujo”, em razão do som produzido pela bolsinha ao
ser comprimida.
Falei então ao ARNALDO, muita coisa sobre a penicilina,
desde a notável descoberta de Flaming ao uso imoderado da droga milagrosa.
Ele me ouvia numa atitude duvidosa, para depois falar:
– Eu inté conheço essa pinicilina qui o sinhô tá
falano. Todas as vezes qui vou na cidade, tomo dela.
– Deus qui guarde eu e a minha muié véia. Inté hoje nós
nunca sofreu dessas porcarias, não sinhô, pode sê qui ainda nós vem a sofrê. Eu
tomo dela é porque adiscobrir qui é um remeidão pra essas dore qui a gente tem
in roda do imbigo.
Belo conto
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