sábado, 12 de janeiro de 2013

ARNALDO “CARROCEIRO” E O “BUFO DE CAPETA”


ARNALDO “CARROCEIRO” 
E O “BUFO DE CAPETA”






O caboclo, dentro de sua vida rudimentar, à míngua de tudo, em primeiro lugar, de assistência médica, tem no entanto, um índice de longevidade, igual ao de todos nós, os coitadinhos. Fazem pouco de higiene, mas talvez premidos pelo clima de fogo do sertão, não se esquecendo banhos diários nos poços fundos dos rios ou no xuá-xuá das cachoeiras. Conhece pouco o médico. Nas simpatias, folhas, cascas e raízes de plantas silvestres, encontra o remédio certo para as mazelas do seu corpo. Se tem dúvida quanto a variedade de uma planta, é só esfregar uma folha, chegar ao nariz, e a identificação é feita.
– “Esta aqui é erva das sete-chagas. Vou arrancá  ela pra muié véia qui indesde onte tá arrotando ruim e tudo que come provoca”.
Certa vez, em uma busca pelas grutas na região, acompanhava-me um velho amigo e companheiro de andanças, ARNALDO. Ao contarmos um marrote, ele suspirou de súbito a marcha, e ficou muito tempo parado, olhando...
– O que aconteceu, ARNALDO, é cobra? – perguntei.
– Não sinhô. É “Bufo de Capeta” – respondeu.
E curvou-se sobre um tronco apodrecido, tombado à beira do caminho, e dela desgarrou uma espécie de bisnaga, coberta por uma película, cuja transparência deixava ver o conteúdo de uns cinqüenta gramas de um pó finíssimo, tão fino que parecia fumaça.
– ”Bufo de Capeta”, um remeidão, cum o nome do “sujo” reafirmou o ARNALDO.
Pude ver que se tratava de um interessante aglomerado de fungos, protegido por tênue membrana, talvez o “penicillium notatus” dos cientistas, aquilo que o ARNALDO acabava de colher, com tanto carinho.
– Para que quer você isto, ARNALDO? Perguntei.
– Um santo remédio! Um táio na perna pode se afunda inté nos ossos. É só a gente aperta esta borsinha inrriba inté ela bufa o pó pra dentro, qui garra na carne verméia todinha. Uma semana dispois é só rança o cascão qui pro baixo tudo tá sarado, sem catinga nenhuma.
Não havia dúvida, não era a penicilina laboratorial, mas a legítima de braga, a do caboclo, que a natureza naquela embalagem, original, grudava na árvore tombada, e que a experiência matuta ironizou com o epíteto de “bufo de capeta” o nome do “sujo”, em razão do som produzido pela bolsinha ao ser comprimida.
Falei então ao ARNALDO, muita coisa sobre a penicilina, desde a notável descoberta de Flaming ao uso imoderado da droga milagrosa.
Ele me ouvia numa atitude duvidosa, para depois falar:
– Eu inté conheço essa pinicilina  qui o sinhô tá falano. Todas as vezes qui vou na cidade, tomo dela.
– Deus qui guarde eu e a minha muié véia. Inté hoje nós nunca sofreu dessas porcarias, não sinhô, pode sê qui ainda nós vem a sofrê. Eu tomo dela é porque adiscobrir qui é um remeidão pra essas dore qui a gente tem in roda do imbigo.



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